A Prática da Improvisação nos Primeiros Estágios da Educação Musical, por Adriano Furtado

Este texto é parte de dissertação de mestrado realizado na UFRJ, defendida em 2014. Trata-se do relato de uma experiência vivenciada dentro de um grupo diverso de alunos, onde a prática da improvisação foi escolhida para iniciar um projeto de educação musical através do violão.

A ideia da improvisação com poucas notas foi usada para dar maior liberdade ao aluno com a finalidade que ele pudesse tocar sem a preocupação de estar certo ou errado, de acordo com a concepção de Stifft e Maffioletti (2004) de improvisação como forma de exploração. (ALVARES; AMARANTE, 2016, p. 173)

Durante as atividades, notas foram selecionadas e ensinadas, estrategicamente, para gerar um campo tonal sem muitas dissonâncias. Além disso, padrões rítmicos realizados pelos próprios alunos foram selecionados também com intuito de facilitar o processo. Acredito que, com base no cenário musical em que vivemos, o excesso de dissonâncias e o toque aleatório poderiam cansar o ouvido dos alunos causando um desestímulo, o que poderia desencadear num quadro de fracasso do aprendizado ou uma descrença no próprio fazer musical.

(…) a prática da improvisação orientada assemelhava-se ao nível dois de Kratus (STIFFT e MAFFIOLETTI, 2004). Todas as notas foram escolhidas dando ênfase ao campo tonal de Mi menor. Essa tonalidade traz para o violão um aspecto facilitador: a de poder trabalhar com as cordas soltas.” (ALVARES; AMARANTE, 2016, p. 173)

A prática da improvisação nos primeiros estágios da educação musical trouxe vários benefícios, como: a possibilidade de se fazer música desde a primeira aula, ter contato direto com o instrumento e desenvolver a consciência das diversas possibilidades de organização dos sons. A pesquisa ainda mostra que, através desta prática, o lado criativo do aluno é despertado, possibilitando a construção de uma identidade sonora musical desde o início da aprendizagem.

(…) foi a partir da improvisação que surgiu a composição do próprio grupo, intitulada Encontro nas Palmeiras.” (ALVARES; AMARANTE, 2016, p. 173)

Com base na experiência vivida, acredito que esta tenha sido uma ótima maneira de começar um trabalho com uma turma de iniciantes, visto que a proposta não esbarra nos limites do “saber tocar”. Outro benefício que posso apontar foi a memorização com maior rapidez por parte dos alunos, dispensando nos primeiros meses o uso de cadernos, lápis, borracha, apontador, enfim. Na minha opinião, o mais importante é que o aluno vivencie a experiência de fluxo do fazer musical desde a primeira aula.

A ideia de se trabalhar com poucas notas na prática da improvisação, foi uma outra maneira que encontrei de facilitar a participação dos alunos, mantendo-os inseridos no processo. A ideia teve como referência o livro Iniciação Musical (GALIFI, 2010). Este foi um dos pilares que sustentou todo o processo de ensino-aprendizagem.

A pesquisa mostra que, dos seis alunos, apenas um demonstrou descontentamento com os improvisos. Por tocar apenas duas notas durante a atividade, o aluno sentiu-se como um mero figurante no ato do fazer musical.

Minha interpretação sobre tal descontentamento foi a de que o mesmo estava sendo sincero em seu relato, mas mais do que isto, as palavras do aluno refletiam bem sua personalidade. Na vivência desta experiência pude perceber que o aluno sempre se mostrava dedicado, crítico e que dava preferência a experiências mais equilibradas e padronizadas. Cheguei a esta conclusão baseado no próprio relato do aluno quando afirmou que queria tocar como sua colega de classe. Na música Encontro nas Palmeiras, a aluna era a única que tocava sem improvisar, fazendo um arpejo definido que dava base para todos os participantes. O aluno ainda demonstrava grande interesse pelos exercícios de técnica violonística e dizia que aquela era a forma correta de se tocar violão. Além disso, o aluno sempre demonstrou seu fascínio e admiração pela cultura clássica como um todo, principalmente pela música clássica.

Outra maneira que pude refletir sobre esta questão foi sob a perspectiva da motivação.

“O aluno demonstrava que queria ser desafiado, queria se apresentar em público, sozinho ou em grupo. Portanto, buscava algo musicalmente mais difícil pois achava que isto iria ao encontro de seu potencial. Tocar apenas duas notas, de forma aleatória, foi algo que realmente o desestimulou.” (ALVARES; AMARANTE, 2016, p. 175)

“Isso de certa forma mostra que só participar não é o suficiente, o aluno precisa ser desafiado, respeitando os limites de cada um é claro, mas através dos desafios é que o aluno vai poder extrapolar os limites entre o não saber e o saber.” (KANEI, 2010)

O caso deste aluno ainda nos leva a perceber que não existe uma única forma de atender toda a diversidade humana, cada aluno dará uma resposta à metodologia. Desta forma, entendemos que o processo de ensino-aprendizagem é um grande desafio para o professor, que deve estar atento aos mais discretos comportamentos e expressões que servirão de referência para o ministrar das aulas.

 

OBSERVAÇÃO

A dissertação que abarca este texto encontra-se disponível na Biblioteca da Escola de Música da UFRJ. Este texto ainda pode ser encontrado no livro Educação Musical na Diversidade: construindo um olhar de reconhecimento humano e equidade social em educação.

 

REFERÊNCIAS

ALVARES, Thelma Sydenstricker; AMARANTE, Paulo. Educação Musical na Diversidade: construindo um olhar de reconhecimento humano e equidade social em educação / Thelma Sydenstricker Alvares e Paulo Amarante (organizadores) – Curitiba: CRV, 2016.

 

FURTADO, Adriano de Oliveira. Educação Musical na Diversidade: um estudo de caso sobre o ensino coletivo do violão para pessoas com diferentes características de aprendizagem. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Música, Rio de Janeiro 2014.

 

GALIFI, Gaetano. Iniciação ao Violão: 35 lições musicais para o aprendizado inicial do violão: método inédito, nota por nota: inclui técnica básica/Gaetano Galifi – São Paulo: Irmãos Vitale, 2010.

 

KAMEI, Helder Hiroki. Flow: o que é isso? Um estudo psicológico sobre as experiências ótimas de fluxo na consciência, sob a perspectiva da psicologia positiva. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo 2010.

 

STIFFT, Kelly e MAFFIOLETTI, Leda de A. Reflexões sobre a Improvisação Musical no contexto das alunas do curso de Pedagogia In.: GOBBI, Valeria (org) Questões de Música ouvir, sentir, entender – música e educação musical . Passo Fundo: EdiUPF, 2004. pp. 119 -134 185 pg. ISBN 85-7515-237-8 (185pg)

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